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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Os Três Mal-Amados

"Um país se faz com homens e livros."


Monteiro Lobato



Os Três Mal-Amados ( João Cabral de Melo Neto )


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha
certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de
visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e
metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus
sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor
de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas
aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus
exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de
prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se
juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas,
tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus
utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água
de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das
quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que,
ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever
meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos,
botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que
riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as
conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam
sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu
a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das
plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras
vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada
e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não
saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de
adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam.
Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em
volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu
verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.








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